quarta-feira, junho 22, 2005

Uma vida sem Deus...

A quarta pedra caiu da falésia. Fez um som exactamente igual aos três anteriores, mas foi o que melhor ficou gravado na mente de um ser. Nem de um ser-vivo, nem um ser-não-vivo, simplesmente um ser que vagueava pelo vazio à procura do silêncio que tanto o refrescava. Refrescava-o de dor e apatia. Sentimentos nauseabundos que lhe davam para tudo menos para evitar que as pedras continuassem a cair. As impurezas que lhe corriam nas veias acumulavam-se no coração. O ser estava perturbado. Por vezes queria viver, mas não estava morto. Porém, também existiam momentos em que queria morrer, mas também não estava vivo. Os movimentos de uma ‘coisa’ que nem ele sabia o que era provocavam nele um estado de coruscação. A cortesia das nuvens em não aparecer faziam com que a Terra ficasse plana e seca. Impossível de compreender. A leveza da corvina, no mar pesava-lhe na consciência. Mas, porquê? Ele não sabia. E por muito que se esforçasse, sabia que a Terra estaria debaixo dos seus pés, e que lhe parecia impossível como é que toda a gente, ou ninguém, admitia isso. Aquele algo sabia que quanto mais pequeno fosse o ser vivo, maior seria a realidade do mundo. Há medida que um ser humano vai crescendo, a sua cabeça afasta-se da realidade. Mas… o que seria a vida?... Algum dia, disseram-lhe que quando o coração bate é sinal de que estamos vivos. O seu coração batia. Se fechasse os olhos ouvia-o até. As vozes que ouvia repetidamente… não as queria esquecer. Apenas não o intimidava. Só que o mar zangava-se. Revoltava-se cada vez que a criatura respirava. Tentava perguntar ao mar qual o motivo, mas o respeito pela grandiosidade e beleza do oceano faziam com que ficasse sem palavras. Imobilizava-se como um barco à vela, sem vento algum, perdido num desconhecido, por vezes fatal. Por vezes queria ter um nome. Mas… porquê? Afinal o que é viver? As vozes bem lhe diziam, só que, vezes sem conta, essas mesmas vozes chegavam de tal forma distorcidas… que se tornavam indecifráveis. As forças que o apaziguavam no escuro eram transformadas em algo desconhecido que, por sua vez eram transformadas em nada, vazio. O único som que captável pela sua natureza foi um gemido apocalíptico. Apetrechado com o que não era preciso, ele olhou em redor. Deitou-se no chão. A sua face na Terra, em contacto com os restos das folhas das árvores que jaziam naquele bocado de solo. Foi exactamente ali que ficou até conseguir que toda a gente se esquecesse dele, esperando que alguém o conseguisse levantar da situação na qual, inexplicavelmente, se deixou sepultar.
12 de Novembro de 1999

4 Comments:

Blogger Gustavo Faria said...

Peço perdão, pois as minhas palavras não fazem grande sentido...

quarta-feira, junho 22, 2005 6:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

incrível... não só te limitas a publicar posts como te responsabilizas tb pelos comentários...

terça-feira, junho 28, 2005 1:43:00 da tarde  
Blogger Cátia Sofia Tuna said...

ola Gustavo. Para as pessoas que possam ler este comentário é melhor apresentar-me: sou a Cátia e infelizmente fui colega do Gustavo o ano passado em algumas cadeiras de Ciências Religiosas. É claro que o "infelizmente" é a brincar.

Quanto ao teu texto sinceramente gostei muito. O facto de o ler porporcionou-me momentos de "pensatividade" que muitas vezes ficam no bolso no meio destas ocupações todas. Fico deslumbrada ao ler e também escrever textos deste tipo, em que se colocam perguntas existenciais e se relatam o que nos vai na alma. No teu texto viu-se que és um rapaz que perguntas pelo sentido da vida, do mundo das coisa, de ti. Isso é muito importante. E ainda bem que as tuas palavras não fazem grande sentido. No dia em que o escreveres palavras que fazem sentido quer dizer que desististe de peregrinar, que esta tudo muito arrumadinho e acomodado, que a vida perdeu o sabor e ja não da luta. E isso quer dizer possivelmente que Deus não mexe connosco, e que o Espirito Santo não tem o seu quê de loucura... o que é de desconfiar.

Portanto, e resumindo,não tenhas preguiça e sempre que tiveres vontade de escrever escreve, porque "não repartir a nossa riqueza interior é, de alguma forma, roubar os que nos cercam". Um abraço.

segunda-feira, julho 11, 2005 7:34:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Alô, Gustavo!

Sentido?! Isto é como os contextos… O sentido de um poema não é o de um enunciado científico, filosófico, político, etc e vice-versas. Textos há – viva! – que jogam com diversos sentidos. A apropriação dum sentido (compreensão dum texto), para dar um exemplo, dum objecto artístico ou literário passa muitas vezes por uma elisão da objectividade (compreensão do que o autor quer ou não dizer e coisas do género) para uma retoma subjectiva do objecto ou texto em estimulação do “receptor” – é o que se passa quando sentimos que determinado objecto ou texto é nosso, diz o que sentimos, que fomos nós que o fizemos ou escrevemos… Isto não significa que não haja limites de “interpretação”, não é isso que está em jogo, trata-se sim do modo de apropriação, da relação, do “uso”. “Sete rosas mais tarde” (Paul Celan) é um enunciado diferente no seu sentido de “A sociedade constitui-se na justaposição e concatenação de contratos sociais.” (Sei lá quem).
O que acontece é que dada a particularidade e o apelo à nossa própria particularidade que têm determinadas expressões mais “pessoais”, “interiores”, etc etc, a comunidade de sentido entre “emissor” e “receptor” não é directa, informativa, objectiva. Daí induzir menos a discussão argumentativa, a troca de opiniões e pontos de vista, etc etc.
No limite, perante um poema que nos arrebata, toca, confunde, reconcilia, e mais et etc, o silencia é por vezes a resposta adequada. Um agradecimento mudo e “profundo”. Coisas do género.

Ninguém sabe o que é viver, que resposta dar a certos anseios que nos tomam por inteiro e que de modo algum compreendemos. Fomos mandados para aqui e prosseguimos sem hipóteses de paragem nem livro de instruções. Vamo-lo escrevendo nós próprios, sozinhos e uns com os outros – cheio de erros, equívocos, contradições – e a vida prossegue como que indiferente às nossas interrogações existenciais.

Sei lá eu…

Talvez não se trate de responder, mas sim de…

Um grande abraço

terça-feira, julho 12, 2005 1:24:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home